O DESAFIO DA JORNADA EFICIENTE DE FUNDING.
A captação de recursos financeiros é um dos aspectos mais desafiadores e críticos na trajetória de qualquer empresa, especialmente para as startups e empresas inovadoras de base tecnológica. A necessidade de capital é uma constante e, embora seja um consenso que toda empresa necessita de recursos financeiros para crescer e se expandir, a complexidade surge quando se trata de decidir o momento ideal para a captação, o valor necessário, a fonte dos recursos e a utilização otimizada dos mesmos. É aqui que o conceito de “jornada eficiente de funding” entra em cena, uma abordagem estratégica para otimizar a captação de recursos em cada fase do ciclo de vida de uma empresa. Em um mundo onde os recursos são cada vez mais escassos, fazer mais com menos tornou-se imperativo.
A ideia por trás da jornada eficiente de funding é simples, mas poderosa: otimizar a captação de recursos para garantir que a empresa não apenas sobreviva, mas também prospere. Isso envolve uma série de etapas cuidadosamente planejadas, começando com uma avaliação precisa das necessidades de capital da empresa, seguida pela identificação das fontes de financiamento mais adequadas e, finalmente, pela implementação de uma estratégia de captação de recursos bem elaborada.
O primeiro passo é um profundo autoconhecimento e senso de autocrítica. Os empreendedores devem ter um entendimento claro de suas limitações e potencialidades, de seus planos de crescimento e expansão, que devem ser delineados com objetivos de curto, médio e longo prazo. Este é o alicerce sobre o qual todas as outras decisões serão tomadas.
De forma abrangente, podemos dizer que o desenvolvimento das startups e empresas inovadoras de base tecnológica passa por quatro etapas: 1) ideação e desenvolvimento, 2) prova de conceito, 3) decolagem e 4) maturidade. Cada uma delas possui seus próprios objetivos, desafios, vantagens, desvantagens e necessidades de capital ao longo do tempo, tornando crucial a escolha da respectiva fonte de financiamento mais adequada no timing correto.
A etapa “ideação e desenvolvimento” se caracteriza pela validação das hipóteses-chave da ideia de negócio junto ao mercado, da comprovação da existência de mercado e da viabilidade do produto. A empresa ainda está em fase de criação, o produto ainda é uma ideia e o empreendedor busca manter a sobrevivência da empresa centralizando o controle. Aqui, a necessidade de financiamento é imediata, geralmente, coberta por recursos próprios (bootstrapping), familiares, amigos, incubadoras, recursos de subvenção econômica ou centros públicos e, mais raramente, investidores anjo, os quais devem ser aplicados à pesquisa e desenvolvimento, produção em escala piloto, construção do MVP (minimum viable product ou mínimo produto viável) / protótipo e esforços comerciais para validação inicial do mercado.
Quando a ideia / inovação se transforma no projeto de empresa que tenta acessar o mercado, passamos à etapa “prova de conceito”. O objetivo principal é colocar o MVP / protótipo / produção-piloto para rodar, descobrir quanto o mercado está disposto a pagar e começar a faturar. Os recursos financeiros, na maioria das vezes, são oriundos dos clientes dispostos a pagar pelo produto em estágio de validação, subvenção econômica, aceleradoras, venture builders, investidores-anjo, equity crowdfunding e, mais raramente, dos fundos de capital semente (seed capital). A necessidade de capital é de curto prazo para capital de giro inicial, esforços comerciais ainda com foco na validação de mercado, melhorias no produto e para os serviços de apoio tais como serviços financeiros, administrativos, gerenciais, jurídicos, técnicas de mercado etc. Um dos objetivos desta fase é ajudar o empreendedor a desenvolver um “plano de negócios” que permita captar os recursos necessários para ganhar porte, passar para o estágio seguinte e decolar.
Na “decolagem”, a empresa finalmente vai a mercado, já tem vendas recorrentes, alguns clientes fiéis ao produto básico e quer expandir sua carteira de clientes e lançar novos produtos. Entretanto, no meio do caminho há um abismo, um abismo que separa uma boa ideia de um bom produto. Além do risco do produto não ser aceito pelos consumidores em escala maior, também há o risco relacionado à velocidade e intensidade com as quais isso poderá vir a acontecer. Essas variáveis são responsáveis pela sobrevivência ou morte de uma empresa, assim como a necessidade de capital para o crescimento do negócio e o potencial retorno que este deve trazer para os seus sócios. Desta forma, a captação é um grande desafio a superar, pois a empresa precisa de recursos em médio/longo prazo para capital de giro, estratégias comerciais e marketing, aumento da produção / produtividade, pesquisa e desenvolvimento de novos produtos. Neste contexto, a empresa também precisa desenvolver inteligência financeira para captação de recursos mais adequados a cada uso, seja via subvenção econômica, captação de dívida (financiamento via fomento ou via bancos comerciais), rodadas mais avançadas de investimento em série A, B e C com fundos de capital de risco (venture capital), investimento estratégico de grande corporação (corporate venture capital), captação de dívida projetada para startups que não têm acesso a empréstimos bancários (venture debt) etc. Nas economias mais desenvolvidas, uma rede de contatos e a existência de investidores anjo e corporativos associados ao venture capital e/ou ao corporate venture capital se mostra de grande relevância ao associar os financiamentos com instrumentos de apoio.
Quando chega à “maturidade”, a empresa já tem uma carteira de clientes consolidada em seu mercado atual, quer expandir rápido em outros mercados, lançar produtos complementares que permitam extrair mais valor dos mercados atuais. Os negócios estão mais maduros e buscam crescimento, consolidação ou reestruturação. Com frequência, implica em pensar em novos modelos de negócio (ex.: licenciamento tecnológico, franquias etc.), à exceção de negócios puramente digitais. Precisa de capital em perspectiva de médio prazo para comercial e marketing, expansão de equipes, capital de giro, aumento da produção (montar nova estrutura ou ampliar atual) e para pesquisa e desenvolvimento. Além das formas convencionais de financiamento via captação de dívida, a empresa pode buscar apoio em mecanismos mais sofisticados como os fundos de investimento de private equity, operações de M&A (mergers and acquisitions, ou fusões e aquisições), assim como através de IPO (Initial Public Offering ou oferta pública inicial) na bolsa de valores e SPACs (Special Purpose Acquisition Companies), alternativa mais rápida ao IPO tradicional, onde uma empresa já listada adquire a startup.
É importante ressaltar que, ao longo desta jornada, especialmente, nos estágios de “decolagem” e maturidade”, o papel e o peso da governança corporativa e compliance assumem crescente relevância. A governança corporativa vai além da estruturação de um conselho administrativo, ela engloba a transparência, a ética e a responsabilidade na gestão da empresa. Instituições financeiras e investidores sofisticados frequentemente realizam auditorias rigorosas antes de investir. Portanto, ter um sistema robusto de governança e compliance não apenas minimiza riscos legais e operacionais, mas também pode acelerar o processo de due diligence, aumentando a atratividade da empresa para potenciais investidores. Além disso, uma governança sólida pode facilitar parcerias estratégicas e até mesmo fusões e aquisições, oferecendo múltiplas vias para o crescimento sustentável.
Outro aspecto relevante a considerar é o risco da dependência de uma única fonte de financiamento, especialmente em um ambiente econômico volátil. Diversificar estas fontes permite que a empresa seja mais resiliente a choques externos e oferece maior flexibilidade na gestão do capital. Isso pode incluir uma mistura de dívida, equity, e até mesmo instrumentos híbridos como convertible notes. Além disso, a diversificação pode abrir portas para estratégias de financiamento mais inovadoras, como o uso de ativos digitais ou DeFi (Finanças Descentralizadas), que estão emergindo como alternativas viáveis.
Neste contexto, a tecnologia está remodelando o cenário de captação de recursos de maneiras significativas. Plataformas de crowdfunding baseadas em blockchain, por exemplo, estão tornando o processo mais transparente e acessível. Além disso, a análise de dados avançada pode fornecer insights valiosos sobre o comportamento do consumidor e tendências de mercado, o que pode ser crucial na preparação de apresentações para investidores. Empresas que adotam tecnologias emergentes não apenas otimizam suas operações, mas também demonstram um compromisso com a inovação, o que pode ser um diferencial competitivo na busca por financiamento.
O acesso a mecanismos de financiamento e investimento pode variar significativamente de uma região para outra. Em mercados emergentes, por exemplo, pode haver menos investidores dispostos a assumir riscos, o que torna o capital mais caro. Por outro lado, alguns governos oferecem incentivos fiscais e subsídios para fomentar a inovação. Portanto, a geografia pode influenciar não apenas a disponibilidade de recursos, mas também o custo do capital. Uma estratégia bem-sucedida pode envolver a combinação de recursos locais com financiamento estrangeiro para otimizar o mix de capital.
A gestão eficaz do relacionamento com investidores também é outro ponto importante, pois vai além de atualizações periódicas sobre o desempenho da empresa. Envolve a construção de um relacionamento de confiança, mantendo os investidores informados sobre desafios, sucessos e mudanças estratégicas. Isso não apenas facilita rodadas subsequentes de financiamento, mas também pode fornecer à empresa acesso a recursos não financeiros, como redes de contatos e expertise, que podem ser cruciais para seu crescimento e expansão.
Adicionamento mais uma camada de complexidade à esta jornada está o fato de uma estratégia de saída bem articulada ser frequentemente vista como um indicativo de maturidade empresarial e planejamento estratégico. Ela não apenas oferece um roteiro para os investidores sobre como e quando eles podem esperar um retorno sobre o investimento, mas também prepara a empresa para transições suaves, seja através de M&As ou IPOs. Ter uma estratégia de saída clara, portanto, torna a empresa mais atraente para investidores que estão avaliando o risco versus retorno em um horizonte de tempo definido.
Como podemos verificar, o que torna a jornada de funding “eficiente” é a capacidade da empresa de alinhar suas necessidades de capital com as fontes de financiamento mais adequadas em cada etapa de seu desenvolvimento, pois na medida em que a empresa se desenvolve, o negócio vai precisando de um tipo distinto de recurso, com necessidades e prioridades diferentes para aplicação. Isso não só otimiza o uso dos recursos, mas também minimiza os custos de capital e maximiza o valor para os acionistas.
Em nossa vasta experiência como advisors de negócios inovadores e, especialmente, como gestores de fundos de venture capital, estivemos diante de centenas de empresas que tiveram suas expectativas frustradas (e as nossas também!) por se encontrarem em estágios de desenvolvimento inadequados a este tipo de recurso. Por isso, é muito importante que o empreendedor alinhe suas expectativas com o que o recurso captado pode oferecer, uma vez que cada fonte também exige obrigações diferentes por parte da empresa. Ao adotar um jornada eficiente de funding, as empresas não apenas aumentam suas chances de sucesso, mas também se colocam em um caminho mais sustentável para seu crescimento. Trata-se de conseguir o dinheiro certo, da fonte certa, para fazer a coisa certa, no momento certo.